sábado, 2 de maio de 2009

Rua XV


Rua XV

Caminhou apressado, quase correndo, pela Rua XV. Não entendia por que as pessoas a chamam de Rua das Flores. Pensando bem, entendia sim: a rua é toda florida, enfeitada com vasos que a mantêm charmosa o ano inteiro. E ainda tem o comecinho, bem pertinho da Praça Osório - aquela das feiras de artesanato, gastronomia, literatura e tantas outras -, que se chama Luiz Xavier, a menor avenida do mundo.

Ali está o Palácio Avenida, onde todos os anos se faz o espetáculo de Natal, bem perto do bondinho – que hoje funciona como uma pequena biblioteca. – Vem gente de todos os lugares só para admirar as crianças cantando, num festival de música e luzes que encanta até os menos sensíveis. Ainda no começo da avenida fica o Edifício Garcez, que hoje é sede da faculdade Facinter e já sediou as Lojas Hermes Macedo e o Shopping Garcez, tendo sido o primeiro prédio da cidade a contar com elevador. Teve que desviar das pessoas quando passou pela "boca maldita", onde se encontram os moradores que mais sabem o que se passa na cidade. Dizem que não elegem ninguém, mas podem derrubar muita gente. Artistas, pintores e cantores, instalam ali, na avenida, seus apetrechos e se apresentam a quem passa. Tem até barraca de partido político, vendendo souvenires. É mesmo uma grande atração caminhar pela Avenida Luiz Xavier. Não passa carro, exceto numa estreita pista ao canto, para dar acesso aos hotéis. Ali passa a 'jardineira' - um ônibus que circula entre pelos parques e pontos turísticos da cidade. - Tem uma travessa que também é calçada fechada aos carros, a Oliveira Bello, que liga à Praça Zacarias.

O mesmo ocorre mais adiante - já na Rua das Flores - com a Monsenhor Celso. Ali na esquina há uma concentração de quiosques e costuma ficar uma vendedora de bilhetes de loteria com uma voz fortíssima, que invade com seus gritos de "olha a cobra" a rua e os ouvidos dos passantes. Olhou para a esquerda e viu a Catedral Basílica, com suas duas torres, lá na Praça Tiradentes, apenas duas quadras de distância. Precisava rezar, mas agora não tinha tempo. Prometeu a si mesmo voltar no domingo.

Na esquina anterior, a da Marechal Floriano, viu um imenso painel do Poty Lazzarotto pintado na parede de um prédio à direita. Embaixo existe o pátio de um estacionamento. Pensou no que pode acontecer se o dono resolver construir ali. Perder-se-á mais uma obra do mestre curitibano que decora muitos pontos da cidade. Ali perto tem outra pintura de Poty na esquina da São Francisco com a Barão do Serro Azul e, seguindo por esta, painéis na Junta Comercial e Praça Dezenove de Dezembro, fora os que estão no Memorial da Cidade, que fica no Largo da Ordem, no Museu Metropolitano, que fica no bairro do Portão, no aeroporto e em tantos outros lugares. Na Luiz Xavier, dois quadros quase foram destruídos num incêndio que ocorreu na loja das Livrarias Curitiba.

Um pouco adiante passou pela tradicional Confeitaria das Famílias e, seguindo um pouco mais, viu a Galeria Schaffer, ponto cultural da cidade, um conjunto de lojas, restaurantes, café, o cine Groff, ali funcionou por muitos anos a Confeitaria Schaffer, onde os curitibanos se reuniam para degustar a deliciosa coalhada com nata.

Continuou seguindo pelo calçamento e chegou à esquina da Barão do Rio Branco. Do lado direito está o prédio onde por muitos anos funcionou a sede social do Clube Curitibano. À esquerda a Praça Generoso Marques, com a Casa Edith, Shopping Mounif Tacla e aquele palácio que foi construído para ser a sede da prefeitura e depois abrigou o Museu Paranaense. Sua arquitetura é realmente magnífica, não merecia ficar ocioso como ficou por muitos anos. Felizmente está sendo restaurado.

Na próxima esquina, do lado esquerdo, a Associação Comercial com suas imponentes colunas de mármore preto. Do lado direito, atravessando a rua, o correio velho. Teve que se cuidar para não ser atropelado pelo ônibus biarticulado na Presidente Faria, onde existe uma gigantesca estação-tubo. O sistema de transporte de Curitiba é muito bem organizado. As pessoas entram nessas estações-tubo, pagando a passagem ou passando o cartão de vale-transporte. Quando o ônibus chega é só embarcar, agilizando o acesso e economizando tempo. Tem também as estações de conexão, nas quais os passageiros podem descer de um ônibus e tomar outro sem necessidade de pagar nova passagem.

Naquela esquina acabou o calçadão e teve que compartilhar a rua com os automóveis. Andou pela calçada da esquerda, junto à parede da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, a mais antiga do país, desde 1912. Não foi fundada naquele prédio, mas está lá há muitos anos - somente o curso de Direito. No começo funcionavam ali, também, os cursos de medicina e engenharia. Hoje, os milhares de alunos, matriculados em dezenas de cursos, estão espalhados por diversos cantos da cidade. Tem a reitoria - mais adiante na Rua XV -, e até o Centro Politécnico - no Jardim das Américas -, tão grande que é chamado de Cidade Universitária. - Outras universidades surgiram, com campus maravilhosos, mas a Federal jamais perderá o seu charme.

Atravessou a Praça Santos Andrade e chegou finalmente ao seu destino: o Teatro Guaíra. A magnífica construção, projetada por Rubens Meister nos anos 50, com cobertura em forma de arco e decorada com painel de - claro - Poty Lazzarotto. Em 1970 sofreu um grande incêndio, que destruiu quase todo o telhado e os vidros. A inauguração do grande auditório ocorreu somente em 1974. Foi, até bem pouco tempo, o maior teatro da cidade, com capacidade para 2173 pessoas, sendo palco das maiores apresentações artísticas que a cidade já viu. Todos os artistas, todas as peças, todas as manifestações culturais importantes que passaram por Curitiba estiveram no palco do Guaíra, que também tem dois auditórios menores, mas igualmente relevantes no cenário artístico e cultural: o pequeno auditório, com 504 lugares, e o mini-auditório, com 113. Por falar em cultura, o corpo de baile que treina ali é altamente profissional e respeitado no país e no mundo - seu maior sucesso foi "O Grande Circo Místico", com músicas de Chico Buarque de Holanda e Edu Lobo. - O palco principal serviu, ainda, para abrigar incontáveis colações de grau. Houve um tempo em que não existia o Centro de Convenções da Rua Barão do Rio Branco nem a Ópera de Arame. A PUC ainda não tinha o Teatro Tuca e a Unicenp nem sonhava que o cursinho pré-vestibular do Positivo fosse virar universidade com um campus que abriga auditório para 2400 pessoas. Então todas as formaturas eram feitas no Guaíra. Ainda hoje ocorrem, porém não mais com exclusividade.

Encontrou a acompanhante que já o esperava angustiada, pois o espetáculo estava por começar. Era o primeiro encontro e ambos estavam ansiosos pelo que se iniciava naquela noite que, esperavam, deveria ser memorável. Meteu a mão no bolso e, para seu espanto, esquecera os convites. Havia-os deianthxado, no afã de não chegar muito atrasado, na gaveta de sua escrivaninha lá no escritório, na Praça Osório. O que fazer se não tinha dinheiro para comprar ingressos? Beijou o rosto da bela moça e saiu em disparada, na esperança de que esperasse o seu retorno.

Jocelino Freitas
Publicado no Recanto das Letras em 22/06/2008
Código do texto: T1046103

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